(aquilo é a cara de um boneco de neve, ok?)
Corria o ano de 1967 e a pequena aldeia escondida no meio dos montes preparava-se para comemorar o Natal. O forno comunitário era o ponto de encontro das mulheres e onde se preparavam as mais diversas iguarias natalícias sempre acompanhadas de grandes nacos de conversa onde os temas variavam entre, a filosofia de trazer por casa e as notícias dos entes queridos. Por outro lado, os homens prosseguiam a sua azáfama na recolha de enormes troncos que depositavam no adro da igreja e se destinavam à grande fogueira de Natal. Aos miúdos era-lhes interdita a entrada nos ambientes dos adultos não lhes restando outra alternativa a não ser, ficarem entretidos a enrolar a neve em pequenas bolas que faziam rolar pela praça tornando-as gigantescas, comparadas com o seu petiz tamanho. Depois, encavalitando-se uns nos outros punham uma bola sobre a outra fazendo nascer assim os bonecos de neve que, enfeitavam com qualquer adereço que encontrassem ali, à mão de semear. A praça enchia-se, então, de enormes seres brancos que sorriam ao ver a alegria catraia que os rodeava. Mas o grande momento por que todos ansiavam estava para chegar, como acontecia todos os anos na véspera de Natal e já se sentia, no ar gélido de Dezembro, a expectativa que antecede os grandes acontecimentos que só as crianças realmente saboreiam.
A sra Etelvina era uma velhota pequenina e curvada pelo peso dos anos e pela fadiga de tantos caminhos percorridos na sua lida. Ninguém como ela conhecia aqueles montes e vales que separam, delicadamente, Portugal e Espanha. Delicadamente, é como quem diz, porque a fronteira era guardada, com unhas e dentes, por autênticos bulldogs que, se pudessem e os apanhassem, não deixavam de massacrar aqueles que se atreviam a fazer do pequeno contrabando o seu modo de vida. A Ti Vina, como os miúdos gostavam de lhe chamar, era uma destemida contrabandista de produtos de primeira necessidade e que vinha à aldeia para vender aquilo de que os aldeões careciam, a preços mais condizentes com os seus parcos rendimentos. Então perguntam-me vocês a causa de tanto alvoroço neste dia! Pois!…é que neste dia, todos os santos anos, a Ti Vina vinha à aldeia com mais tempo e depois de ter vendido tudo o que trazia literalmente às costas, dirigia-se para a praça, junto ao fontanário, onde as crianças já tinham ocupado o seu lugar à sua espera. Ela aparecia no meio delas, toda vestida de negro e com um xaile que lhe cobria grande parte do rosto encarquilhado e trigueiro que uns olhos de azeviche iluminavam. Olhava cada um deles atentamente e depois de se certificar que todos se tinham portado bem naquele ano, abria uma grande caixa de galhetas espanholas. Dezenas de pequenos braços estendiam-se até à caixa mas sem se atropelarem, pois sabiam que a Ti Vina arranjava sempre maneira de as galhetas chegarem para todos. Depois, seguia-se o momento mágico no meio de grandes e pequenas trincadelas nervosas nas bolachas…os contos…pois, os contos que a velha contrabandista lhes contava e que eram o melhor presente de Natal. Não eram contos de príncipes e princesas, eram histórias verdadeiras, contadas na primeira pessoa, autênticas aventuras que os faziam saltar os muros esdrúxulos que prendiam as suas almas. Ao anoitecer a Ti Vina fazia questão de se retirar de forma discreta e no meio da azáfama vespertina só os miúdos a viam desaparecer na última curva como ponto final que põe fim a um parágrafo.
A sra Etelvina nunca mais apareceu nas redondezas. Conta a lenda que naquela mesma noite um anjo, vestido de um branco tão alvo quanto a neve, a salvou de uma emboscada de salteadores e a levou para um reino longínquo, onde ocupa o digníssimo e alto cargo de “Contadora de histórias” para miúdos, graúdos e todos aqueles que gostam de ouvir contos.
Clique em cada link para ler os contos de todos os participantes nesta 5ª edição dos desafio de criação do Canto de Contos cujo mote é "Um conto de Natal"
Membros do Canto de Contos
Bill, Clarissa, Conteúdo Latente, Ipslon, Isa, Maite, Parrot, Pedro Pinto, PiresF, Raquel, Rui Semblano, Vanessa,
Convidados
Beatriz, Kaotica, Klatuu, Legível, Luís Teixeira, Rafaela, Ruy Soares, TB, Teresa Durães
domingo, dezembro 10, 2006
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24 comentários:
vim li gostei!
Cara Maite:
Comecei logo por gostar do seu conto, quando ainda sem mais aquelas nos previne que "aquilo" é a cara de um boneco de neve. Depois porque prantou muito hábilmente, uma Tia Vina contadora de contos, dentro do seu conto o que revela mestria na arte de recriar a escrita... e a vida de uma comunidade raiana em tempos de pouca fortuna.
Parabéns !
PS: Foi uma corrida contra o relógio, porque "estendi demasiado o texto" (contra o que é meu hábito) e por isso acabei quase em cima da hora. Mas foi agradável.
Tenha uma óptima noite!
Cara Maite,
Este seu conto poderia ter ocorrido numa qualquer aldeia do interior escondida entre montanhas....consegui "entrar" literalmente dentro do seu conto. O meu primeiro livro foi-me oferecido num Natal....numa aldeia que poderia ser a mesma do seu conto.
Boa noite e já agora...FELIZ NATAL
Adorei
Eu, igual ao Legivel, já comecei a ler o conto com um sorriso no rosto =)
Que belo conto, fiquei aqui imaginando a ‘Ti Vina’ e seus belos contos na época de natal, e os sorrisos e lembranças desses pequenos com essa noite mágica...
Lindo demais, queria estar nesse aldeia... Antes da Ti Vina ser levada pelos anjos =]
Beijo, boa noite e ótima semana.
:***
agora com tempo (não sabia se o tinha dado que os contos eram muitos)
No Fundão, onde vivi, também exista uma Sra Etelvina e um corredor Portugal-Espanha. Por esse corredor, assim chamado, vinham de lá os produtos espanhóis.
Um pequeno aparte, não sou cristã e para mim a morte não representa tristeza. Como não representa para os cristãos segundo o dogma que conheço.
Uma boa noite para si :)
Um conto com contadora de contos . :)
Maite
Também comecei rindo da instrução para a decifração do boneco de neve :-)
Quanto ao conto ele recorda um tempo em que as figuras do povo como a ti Vina eram os heróis na sua luta cotidiana pela sobrevivência aos bulldogs do regime. Conheci várias ti Vinas mas mais citadinas, contadoras de histórias de vida, heroínas das suas próprias histórias.
Um abraço!
Adorei a Ti Vina, que me relembrou outros contadores de histórias que conheci entre pescadores. Falo de pescadores a sério, que no Algarve se reuniam à volta da fogueira a fazer horas para a pesca ao candeio.
E eram invariavelmente histórias de príncipes e princesas dos mares.
Muito bem escrito.
Parabéns e um grande abraço.
Adorei!
Uma tia Etelvina deliciosa... :) Muito familiar este conto. Adorei!
Beijinhos*
( E esse boneco de neve está simplesmente fantástico!!) :D
Natais de outros tempos...e Mães Natal que o Pai Natal não tem o monopólio ;)
Beijocas
Caro Legível
Admito, prontus...gosto de fazer bonecos de neve e sempre achei esta cara :o) muito parecida com a dos bonecos de neve.
Imagine que não tinha final para a história (não sabia como terminá-la - o que fazer com a Ti Vina). Depois lmbrei-me da história do Provedor e disse para os meus botões "voilá".
P.S. Espero que tenha gostado de participar no desafio e acrescento que foi um prazer ler o seu conto. (ainda falta ir lá deixar umas palavrinhas)
Caro Parrot
Uma história simples de gente simples até porque a simplicidade deveria ser a nota dominante nesta quadra natalícia :)
Sabe que eu sempre gostei de receber livros de contos no Natal? por isso foi um prazer ler todos estes contos inéditos. Digamos que já recebi uma prenda (ler-vos). :)
Uma boa noite para si
Caro Bill
É sempre bom provocar sorrisos (ainda bem que gostou do boneco de neve):)
Sabe? Penso que deveria ser obrigatório contar e ouvir contar contos durante todo o ano, mas principalmente nesta época. Seria como um abraço fraterno.
Uma boa noite (boa tarde) para si
Cara Teresa Durães
Eu sou de uma região raiana e lembro-me, era muito miúda ainda, de uma senhora contrabandista que percorria os caminhos entre Portugal e Espanha todas as semanas a pé. Apesar disto ser uma história, a Ti Vina (ela tinha outro nome) existiu na vida real.
Uma boa noite para si :)
Cara TB
De facto :)
Boa noite para si
Kaotica
Pessoas que continuam a merecer o nosso respeito.
Hoje em dia é mais o James Bond, o homem aranha e afins :)
Um abraço e boa noite para si
Caro PiresF
Pois é. É também no meio do povo que se podem conhecer personagens com carismas extraordinários e exímios contadores de histórias quer junto do mar quer nas montanhas.
Boa noite e um grande abraço para si
Cara Alequites
Obrigada
Boa noite para si
Cara Vanessa
Fico orgulhosa do meu boneco de neve :)
É o bom que têm as pequenas comunidades, partilham tudo mesmo sendo pouco por isso transmitem essa ideia de família em que todos desempenham papéis que são considerados importantes.
Um abraço para si
Cara Clarissa
Natais dferentes de hoje em dia...em que tudo se compra. Estava aqui a pensar que esta história dos contos (de partilha de contos de Natal) vem contrariar essa ideia que há tanto tempo nos persegue.
Uma boa noite e um abraço para si
Cara Maite:
Porque o seu último post está fechado aos comentários, espero vir ainda a tempo (neste) de lhe desejar umas Festas muito felizes e um Ano Novo ao encontro dos seus desejos.
Tive também muito prazer em participar, pois claro e espero continuar.
Tudo de bom para si!
Que o verdadeiro espírito de Natal, nesta época de partilha de coisas boas, prevaleça com infatigável desejo na nossa amizade e, num golpe de gesto redondo repleto de magia, deixo-te um cabaz de aromas, esperança, felicidade e um voto para que sempre o amor te inunde com a sua companhia.
Boas Festas!
PiresF
Eu ainda tive esperança de um post antes do Natal que permitisse deixar umas palavras.:)
Como pareçe não acontecer, aproveito este, para lhe deixar os votos sinseros de Bom e FELIZ NATAL.
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