Sentado no alpendre, Tomás bebericava, preguiçosamente, o seu chá de menta com um olhar vago sobre o oceano que se estendia à sua frente. O mar revolto e as ondas na rebentação, com água a desfazer-se em espuma, anunciavam mais uma tempestade. O anoitecer abraçava o pedaço de terra onde anos antes tinha comprado aquela casa a um velho pescador.
P- Hoje pediram-me para homenagear alguém, por isso vim visitar-te.
T- Pensei que a homenagem fosse pública (riu ironicamente)
P- Como estás? – Perguntou Pedro, pousando o casaco sobre uma cadeira e servindo-se de chá.
T- Tão bem como uma velha carcaça, abandonada nas espirais da vida.
(um silêncio… abateu-se sobre eles e permaneceram imóveis perante aquelas ondas sem formas estáticas e definidas, permitindo todo o tipo de liberdades e abstracções)
P- Sabes qual é a diferença entre um cruzamento e uma encruzilhada?
T- Não!...Tu sabes?
P- Eu não. Pensei que tu soubesses! Dizem que é assim que está o estado da arte.
T- Num cruzamento ou numa encruzilhada?!
P- Sei lá!
T- Veio-me agora à memória que há uma breve nuance entre esses dois conceitos. E o estado da arte actual é uma rotunda avalanche de abstraccionismo.
P- Como assim?!
T- Nada tem tema, tudo é uma amontoado de formas disformes desde a pintura, a música, a literatura passando pelo cinema e até … a fotografia.
P- Achas então que a nossa época é mais uma encruzilhada?
T- É tanto assim que há uma tendência insidiosa para a rejeição de todos os caminhos que já percorremos na arte desde a antiguidade clássica.
P- Queres com isso afirmar que há um retrocesso em termos civilizacionais? Não te parece que seja mais uma época de transição?
T- Diria que é mais uma época de decadência ou melhor…de retrocesso.
P- Será?!
T- Dou-te alguns exemplos: antes, a música tinha uma preocupação suprema que era a melodia que lhe dava harmonia, equilíbrio e fluidez, hoje é mais imediatista tornando-se um amontoado de sons estridentes. O próprio conceito de conto alterou-se, antes tinha um ‘enredo’, era por ele que o leitor se envolvia na história, hoje ‘assenta em combinações de palavras que não visam contar uma história mas criar certas sensações estéticas’. A própria pintura distancia-se da grande pintura clássica e aproxima-se da arte africana, mais próxima da arte nos seus primórdios.
P- De qualquer forma esta é a época em que vivemos e manda o bom senso que vivamos de acordo com ela.
Tomás não respondeu e um silêncio constrangedor apoderou-se daquela cena de ‘partida de xadrez’ onde as personagens se esbatem numa espécie de planície aberta e sem fronteiras onde o infinito ameaça o Homem, paralisando-o.
Clique em cada link para ler os contos de todos os participantes nesta 6ª edição dos desafio de criação do Canto de Contos cujo mote é "Uma Pessoa".
Membros do Canto de Contos
Bill,
Clarissa,
Conteúdo Latente,
Ipslon,
Isa,
Maite,
Parrot,
Pedro Pinto,
PiresF,
Raquel,
Rui Semblano,
Vanessa,
Beatriz,
Kaotica,
Klatuu,
Legível,
Luís Teixeira,
Rafaela,
Ruy Soares,
TB,
Teresa Durães