Nos teus olhos busco o silêncio
Que me tráz palavras ternas
De conceitos inefáveis
De momentos indizíveis.
Quebras-me o pranto
Tantas vezes conseguido
De vozes dolorosas
De mentes enlouquecidas.
Raios de luz
Que na escuridão se adivinham
São teus olhos nos meus
Vaiando o desconhecido.
Felinos, teus olhos
Que me acalmam a alma
De outras madrugadas
Que se avizinham.
sexta-feira, dezembro 30, 2005
quinta-feira, dezembro 29, 2005
segunda-feira, dezembro 26, 2005
The Day After
...nada como esta balada para me virem à memória tantas recordações de tantos Natais cheiiinhos de neve.
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança..
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
– Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza..
– E cai no meu coração.
AUGUSTO GIL
BALADA DA NEVE
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança..
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
– Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza..
– E cai no meu coração.
AUGUSTO GIL
quinta-feira, dezembro 22, 2005
Um conto de Natal
Decorria o ano de 1983, e a professora de literatura “pediu-nos” para escrevermos um conto de Natal. Um conto de Natal?! fixe! Comecei logo a pensar no enredo, um príncipe, claro só podia ser um príncipe...que ajudava os mais pobres. E quase todos nós escrevemos um conto com estes ingredientes a que juntámos a neve, os presentes... Foram compilados e publicou-se um livro que oferecemos a toda a gente...família, amigos, conhecidos, enfim...
Hoje fui ao baú das memórias e lá estava o livro publicado com os nossos contos de Natal, meio amarelo já...Comecei a ler aleatoriamente e deparo com este conto de uma amiga que já não vejo há imensos anos.
"Perante a perspectiva de escrever um conto de Natal, confesso que me sinto um pouco atordoada. Primeiro, não me sinto inspirada nem tão pouco motivada para o assunto, depois não, não quero entrar no esquema tradicional de uma família rica e uma família pobre, nem da históriazinha piegas da tolerância, do prazer de dar, da generosidade que geralmente são apanágio desta época. Pergunto aos meus colegas - como é que vou fazer um conto de Natal? - Porque não fazes um teatro com personagens tais como o “sr. Pinheiro”, a “sra Lareira”, a “Neve”, o “coelhinho de chocolate”? - Não gosto de teatro – afirmo e dou voltas e voltas à cabeça. Uma ideia original, peço! Qualquer luzinha que brilhe distante e me ilumine, que eu cá por mim não estou nada iluminada. E depois, logo eu, que não gosto do Natal. O mesmo cenário todos os anos, a corrida às lojas, todo o fernesim que se transmite de uns para os outros, para culminar numa ceia à meia-noite com o bacalhau, o perú as filhós e as fatias douradas. Mas para além de tudo, há uma cena passada que não me deixou lá muito boa recordação desta época, confesso.
Por altura do Natal, tinha eu de idade pouco mais que os dedos de uma mão, a minha mãe, a propósito do tal sentimento tão apregoado do “dar” disse-me: “Vais receber tantos presentes novos que bem poderias dar essa boneca velha de borracha à Alice. A Alice era uma vizinha nossa, da minha idade, com quem eu brincava às vezes e cujos pais se debatiam com grandes problemas de ordem económica. Eu, que sempre me gabei de ser voluntariosa, fiquei vermelha, inchei de raiva, pois gostava sempre de decidir quando e como bem entendesse. Assim, a coisa ficou assente. Só que antes de me desfazer da boneca, não me esqueci de lhe morder o nariz de modo a que ela ficasse desfeada e o algodão de que era recheada começasse a sair pelo nariz. E assim, com a pequena vingança cometida, fiquei mais satisfeita comigo mesma. A minha mãe não fez comentários e penso que a boneca seguiu o seu destino, mas à socapa ainda a ouvi comentar com o meu pai: “É muito torta esta pequena” – e eu sorri furtivamente.
Entretanto, durante esse tempo todo tinha assediado os meus pais para me comprarem uma bela, horrível espanhola que faria as minhas delícias, grande, exuberante no seu vestido de cetim vermelho e uns belos saiotes de folhos. E assim, esperei ansiosamente pelo momento em que era permitido abrir as prendas. Havia um embrulho que se destacava dos outros pelo seu tamanho e pelo seu aparato. “É a espanhola” – dizia eu com os meus botões. Ao toque da meia-noite, eu e os meus irmãos caimos sobre os presentes. Lancei-me ao embrulho espampanante, verifiquei se, pela etiqueta, era para mim e como de facto era, rasguei-o todo numa fúria e vislumbrei logo os folhos, o cetim vermelho, a cabeleira que lhe caía pelos ombros. Mas quando a virei fiquei estarrecida. Lá estava ”a espanhola das minha delícias” com os olhos azuis pestanudos, uma boca carnuda de um carmesim vivo, somente no lugar do nariz um buraco enorme deformava-lhe o rosto. Num relance, percebi tudo. Larguei a boneca, atirei-a para o chão, onde se confundiam as fitas, os papéis de embrulho, os presentes numa grande confusão e corri para o meu quarto, enquanto as gargalhadas dos meus irmãos ressoavam nos meus ouvidos. De lá ainda gritei: "Não me dêem mais presentes, nunca mais me dêem presentes, porque eu não aceito, ouviram? Eu não aceito!" E as gargalhadas aumentaram ainda mais. Vem daí, talvez, o meu “complexo” de Natal."
Hoje fui ao baú das memórias e lá estava o livro publicado com os nossos contos de Natal, meio amarelo já...Comecei a ler aleatoriamente e deparo com este conto de uma amiga que já não vejo há imensos anos.
"Perante a perspectiva de escrever um conto de Natal, confesso que me sinto um pouco atordoada. Primeiro, não me sinto inspirada nem tão pouco motivada para o assunto, depois não, não quero entrar no esquema tradicional de uma família rica e uma família pobre, nem da históriazinha piegas da tolerância, do prazer de dar, da generosidade que geralmente são apanágio desta época. Pergunto aos meus colegas - como é que vou fazer um conto de Natal? - Porque não fazes um teatro com personagens tais como o “sr. Pinheiro”, a “sra Lareira”, a “Neve”, o “coelhinho de chocolate”? - Não gosto de teatro – afirmo e dou voltas e voltas à cabeça. Uma ideia original, peço! Qualquer luzinha que brilhe distante e me ilumine, que eu cá por mim não estou nada iluminada. E depois, logo eu, que não gosto do Natal. O mesmo cenário todos os anos, a corrida às lojas, todo o fernesim que se transmite de uns para os outros, para culminar numa ceia à meia-noite com o bacalhau, o perú as filhós e as fatias douradas. Mas para além de tudo, há uma cena passada que não me deixou lá muito boa recordação desta época, confesso.
Por altura do Natal, tinha eu de idade pouco mais que os dedos de uma mão, a minha mãe, a propósito do tal sentimento tão apregoado do “dar” disse-me: “Vais receber tantos presentes novos que bem poderias dar essa boneca velha de borracha à Alice. A Alice era uma vizinha nossa, da minha idade, com quem eu brincava às vezes e cujos pais se debatiam com grandes problemas de ordem económica. Eu, que sempre me gabei de ser voluntariosa, fiquei vermelha, inchei de raiva, pois gostava sempre de decidir quando e como bem entendesse. Assim, a coisa ficou assente. Só que antes de me desfazer da boneca, não me esqueci de lhe morder o nariz de modo a que ela ficasse desfeada e o algodão de que era recheada começasse a sair pelo nariz. E assim, com a pequena vingança cometida, fiquei mais satisfeita comigo mesma. A minha mãe não fez comentários e penso que a boneca seguiu o seu destino, mas à socapa ainda a ouvi comentar com o meu pai: “É muito torta esta pequena” – e eu sorri furtivamente.
Entretanto, durante esse tempo todo tinha assediado os meus pais para me comprarem uma bela, horrível espanhola que faria as minhas delícias, grande, exuberante no seu vestido de cetim vermelho e uns belos saiotes de folhos. E assim, esperei ansiosamente pelo momento em que era permitido abrir as prendas. Havia um embrulho que se destacava dos outros pelo seu tamanho e pelo seu aparato. “É a espanhola” – dizia eu com os meus botões. Ao toque da meia-noite, eu e os meus irmãos caimos sobre os presentes. Lancei-me ao embrulho espampanante, verifiquei se, pela etiqueta, era para mim e como de facto era, rasguei-o todo numa fúria e vislumbrei logo os folhos, o cetim vermelho, a cabeleira que lhe caía pelos ombros. Mas quando a virei fiquei estarrecida. Lá estava ”a espanhola das minha delícias” com os olhos azuis pestanudos, uma boca carnuda de um carmesim vivo, somente no lugar do nariz um buraco enorme deformava-lhe o rosto. Num relance, percebi tudo. Larguei a boneca, atirei-a para o chão, onde se confundiam as fitas, os papéis de embrulho, os presentes numa grande confusão e corri para o meu quarto, enquanto as gargalhadas dos meus irmãos ressoavam nos meus ouvidos. De lá ainda gritei: "Não me dêem mais presentes, nunca mais me dêem presentes, porque eu não aceito, ouviram? Eu não aceito!" E as gargalhadas aumentaram ainda mais. Vem daí, talvez, o meu “complexo” de Natal."
segunda-feira, dezembro 12, 2005
Réplicas imprevistas
"...ouvimos as coisas e traduzimo-las através do filtro de afectos e recordações, acabamos com dialecto próprio nos braços, feridas que o silêncio já não limita, abrindo, abrindo."
Muros - Júlio Machado Vaz
- Quando voltas?
- Não sei...precisarei de mais tempo para delimitar fronteiras e abrir novos ângulos.
- O coração não se compadece com esperas longas ou cumplicidades quebradas.
- Não sejas absurda. Nem sempre as pedras caem no formato previsto mas quando atiradas rugem que nem leões. Não é o caso.
- Porque sinto já saudades de ti?
Muros - Júlio Machado Vaz
- Quando voltas?
- Não sei...precisarei de mais tempo para delimitar fronteiras e abrir novos ângulos.
- O coração não se compadece com esperas longas ou cumplicidades quebradas.
- Não sejas absurda. Nem sempre as pedras caem no formato previsto mas quando atiradas rugem que nem leões. Não é o caso.
- Porque sinto já saudades de ti?
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