Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exatidão
Do longo relatório irrecusável
E pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas
— Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro
Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo.
Sophia Mello Breyner Andresen
A hora da chuva, invariavelmente ao fim da tarde, era a sua hora preferida dos dias. Assinalava o fim do trabalho, a bebida fresca no terraço à sua espera, o duche frio que antecedia o jantar. E silenciava todos os sons à roda, encharcava o calor sufocante da atmosfera, fazia subir no ar um perfume de terra molhada que afastava por instantes aquela cápsula gigante de clorofila em que eles viviam mergulhados nas ilhas. Era como se o céu inteiro rebentasse de repente, incapaz de adiar por mais tempo uma insustentável contenção: como o prazer suspenso até ao limite no corpo da mulher. Então, a ilha inteira libertava-se daquele sufoco, da agonia das horas escorridas em suor, daqueles dias de uma violência sem tréguas. Na cidade, fechavam-se as portas e os taipais das lojas...
Miguel Sousa Tavares in Equador
2 comentários:
Que bom não teres deixado passar esta data e que mau não vir aqui há tanto tempo.
Felizmente ainda o apanhei e pude ter o prazer de ler as sempre belas palavras de Sophia e também rever esse texto do MST.
Muito bem recordado.
Abração.
PS: Agora vou ler o outro.
PiresF
Nem imagina o que me fez lembrar esta data! Um caso perfeitamente fortuito, mas a vida é feita desses momentos :)
E pensei que a minha homenagem à grande poetisa passava também por recordar este texto do filho.
Um abraço para si também
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