Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?
Eugénio de Andrade - In O Sal da Língua Precedido de Trinta Poemas
É excruciante viver em Portugal
Há 3 semanas
4 comentários:
Cara Maite:
O poeta tinha (tem) razão. Também as palavras são assim: como algumas pessoas. Amamo-las muito, mas o tempo se encarrega de tranformar o amor-paixão numa quase rotina. Companhia amistosa, mas rotineira. E sabemos como o homem reage à rotina: procura outras (palavras, evidentemente... ) diferentes, "encabritadas" (no dizer do poeta) e aí surgem os problemas de relacionamento...
Tenha uma boa semana!
Cara Maite,
A velhice é... assim!:)
Resto de noite feliz.
Caro Legível
É verdade, o ser humano tem um fascínio incontrolável pelo que é diferente de si ou daquilo que o rodeia e que se acentua com o passar do tempo, mas... que seria de nós sem a almofada da rotina ou como alguém dizia "a banalidade almofadada do real"? às vezes esquecemo-nos disso.
Tenha um boa noite
Caro Portocroft
A propósito de "A velhice é ...assim!" lembrei-me de um outro poema de Eugénio de Andrade do mesmo livro :)
Recomecemos então, as mãos
palma com palma.
Diz, não digas, a palavra.
As palavras terão sentido ainda?
Haverá outro verão, outro mar
para as palavras?
Vão de vaga em vaga,
de vaga em vaga vão apagadas.
Seremos nós, tu e eu, as palavras?
Onde nos levam, neste crepúsculo,
assim palma com palma,
de mãos dadas?
Uma boa noite para si
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